Pesquisa Frederick Kastner usando o seu invento PyrophoneI.  (http://www.oldoerp.de/pyrophon/index.html, 1873)

Publicado em outubro , 2012

0

Performances áudio-máquino-visuais

Por: Wanderson Belo Gonçalves, 2012

Performance audiovisual é uma extensão da arte eletrônica que tem a manipulação ao vivo de áudio e vídeo como elemento principal em sua constituição, partindo da utilização de interfaces digitais que potencializam o gesto do artista sobre o conteúdo, tendo o efêmero como característica própria, ou seja, a existência da obra só existe enquanto houver o processo de manipulação e alteração de seus parâmetros.

O presente artigo tem por objetivo fazer um panorama das experiências que buscavam uma forma de trabalhar áudio-visão, principalmente por um viés histórico, de modo a trazer à luz alguns precursores que buscavam a realização de trabalhos onde havia a ligação direta entre cor e som, através de traduções intersemióticas ou ligações metafóricas em trabalhos que proporcionassem uma experiência sinestésica ao público.

Tags: Performance audiovisual, VJ, Vjing, Sinestesia, tradução intersemiótica, cinema expandido

 

A relação entre som e cor, já há alguns séculos, fazia parte da pesquisa de pensadores, músicos e artistas visuais. Na Grécia antiga, Pitágoras (séc. VI a.C.) fazia reflexões sobre o tema, porém, foi Aristóteles (séc. IV a.C.) quem formulou pela primeira vez a idéia da correspondência entre cores e as notas da escala musical (BASBAUM, 2002:20). Hoje, no outro extremo da história chegamos à um período onde performances audiovisuais são explorados ao máximo, principalmente através do surgimento do VJ, artista que produz trabalhos com relação direta entre música e imagem ao vivo.
Experimentações a partir de manipulação audiovisual em tempo real sempre existiram nas vanguardas artísticas como, por exemplo, os trabalhos envolvendo sintetizadores que alteravam padrões de áudio e vídeo como faziam os artistas que integravam o grupo Fluxus, em torno de John Cage e seus estudos interdisciplinares durante a década de 50. Todavia, trabalhos voltados para criação de ambientes em festas encontram suas primeiras manifestações ainda nos anos 60 onde grupos de rock psicodélico exibiam projeções no fundo do palco, com uso dos antigos retroprojetores e experimentos com água, tinta e óleo aplicando movimento manualmente. Porém, foi no cenário underground da música eletrônica, em torno dos anos 80, que artistas visuais (VJ’s-Visual Jockeys) começaram a propor novas experiências de entretenimento e imersão sensorial através de videoprojeções, apoiado pelo surgimento dos meios técnicos como os aparelhos de projeção, computadores e softwares.

 

AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS DA COLOR MUSIC. SINESTESIA COMO METÁFORA
Durante a Idade Média não houve relatos sobre estudos a respeito da relação entre cores e sons. O padre jesuíta alemão Athanasius Kircher, somente no final do séc. XVI, criou um espetáculo chamado de “Lanterna Mágica” que se encontra na arqueologia do cinema, pois trabalhava com projeções de imagens. É sabido que o teatro de sombras chinês também tem bases milenares, mas o trabalho de Kischer difere-se por trabalhar com imagens ampliadas e coloridas, mesmo que bem transparentes e não apenas a silhueta como nas sombras. Mas não houve aqui um estudo mais afinado entre cores e sons. Voltando apenas no Renascimento através do Leonardo da Vinci com seus espetáculos de luz, cor e som para as cortes italianas e ainda com o pintor renascentista Giuseppe Arquimboldo com suas propostas de criação de uma música de cores, criando o conceito de Color Music, através de uma teoria estabelecendo uma relação entre música e cor.
Somente a partir do século XVIII, inventores começaram a criar equipamentos que permitissem “tocar” cores com a mesma temporalidade da música, cada qual com a tecnologia existente na época, mas grande parte desses equipamentos, principalmente os construídos na Europa se perderam no tempo em função das inúmeras guerras. Pode se disser, a priori, que a maioria dos equipamentos que serão descritos em seguida, são traduções intersemióticas de parâmetros sonoros para o campo visual e vice-versa, tratam a cores como sons, chamados de aparelhos da Color Music. Usando conceitos semióticos peirceanos, podemos dizer que as interconexões originárias entre som e cor são da esfera da primeiridade, da constituição mesma do fenômeno sinestésico.
O primeiro aparelho realmente construído foi o Harpsicórdio Ocular, no século XVII, pelo jesuíta francês Louis Bertrand-Castell. Ao tocar determinada tecla, a cor correspondente era revelada no quadrado de janelas. Quanto mais aguda a nota, mais luminosa era a cor. O teclado de Castell abriu caminho para vários outros inventos no século seguinte. Em 1873, Frederick Kastner construiu o seu Pyrophone (Figura 1 e 2), que usava gases e eletricidade produzindo diversas cores.

 

Frederick Kastner usando o seu invento PyrophoneI. (http://www.oldoerp.de/pyrophon/index.html, 1873)

 

desenho ilustrativo do Pyrophone . (http://en.wikisource.org/wiki/Popular_Science_Monthly/Volume_7/August_1875/The_Pyrophone, 1875)

 

Na mesma época, em 1877, nos Estados Unidos, Bainbridge Bishop criou um aparelho mais prático e menor, para ser colocado sobre um órgão caseiro e conectado ao teclado por um sistema de alavancas e controles onde ao tocar o instrumento, fazia com que o sistema gerasse e misturasse luz. O aparelho recebeu o nome de Color Organ (Figura 3).

Também chamado de Color Organ (Figura 4) foi o aparelho criado por Alexander Wallace Rimington. Em 1895 fez a primeira apresentação pública para cerca de 1500 pessoas em Londres primeiro fazendo uma palestra e em seguida um concerto. Basbaum diz que Rimington considerava que havia uma relação entre os fenômenos psicológicos cor e som, pois eram ambos fenômenos vibratórios que estimulavam os nervos ópticos e auditivos, respectivamente. (BASBAUM, 2002:81). Um complexo mecanismo controlava a relação da nota tocada no órgão e a cor/intensidade de luz que surgia nos orifícios. O termo Color Organ torna-se, a partir daí, genérico para esse tipo de instrumento. Basbaum considera o início do século XX como um marco na história dos instrumentos de cor e som (BASBAUM, 2010:83), pois a revolução industrial permitiu que os inventores conseguissem soluções técnicas para suas ideias de na criação de equipamentos.

Color Organ de Bishop (http://pyramidbeach.com/tag/bainbridge-bishop, 1877).

Color Organ de Bishop (http://pyramidbeach.com/tag/bainbridge-bishop, 1877).

 

Em 1910, o compositor russo Alexander Scriabin concluiu a composição chamada Prometheus o poema de fogo (Figura 5), sinfonia para orquestra com partitura especial para um teclado de luzes, considerado por Basbaum como sendo a primeira sinfonia de composição para som e cor, de fato. Consistia em um teclado mudo que acendia e apagava luzes coloridas organizadas em forma de raios e nuvens, que se difundiriam pelo ambiente até culminar numa luz branca tão forte que provocaria fortes reações nos olhos da platéia. A importância da composição de Scriabin reside na existência de um apelo sinestésico, através de forte estimulação visual, tudo em harmonia com a música tocada pela orquestra.

 

Nos Estados Unidos em 1919 a pianista Mary Hallock-Greenewalt desenvolveu um instrumento chamado por ela de Sabaret (Figura 6), com o qual, através de pedais e outras interfaces, produzia escalas de luz, controlando as intensidades de cores, em combinação com a música. Intitulava a sua performance de “Nourathar“.  Ela criou interpretações em luzes para várias peças do repertório erutido, segundo um sistema de notação por ela desenvolvido e patenteado, chegando até mesmo a publicar um livro em 1964 chamado de Nourathar, the fine art of light color playing, onde ela descreve sobre sua “música de cores”.

Prometheus o poema de fogo, de Scriabin

Mary Hallock-Greenewalt e seu instrumento chamado Sabaret

 

Por último em nossa lista de precursores da Color Music temos o Thomas Wilfred criador do mais famoso instrumento de luz em movimento chamado Clavilux (Figura 7).  Wilfred foi o primeiro performático a quebrar radicalmente com as teorias de correspondência direta entre luz e som que vigorava nas apresentações com teclado de cores até então. Segundo Wilfred, o termo Color Music era apenas uma metáfora. Para ele, a arte de “tocar cores” incluía fatores como tempo e ritmo, como na música. As obras compostas para o Clavilux eram chamadas por Wilfred de Lumia (Figura 8).

Thomas Wilfred e o seu invento Clavilux

 

Resultado visual do instrumento de Wifred, chamado de Lumia

 

2.0 – PERFORMANCES AUDIOVISUAIS

As performances audiovisuais apresentadas por artistas contemporâneos transitam desde o remix de filmes, criando narrativas ao vivo, passando por composições audiovisuais para pistas de dança e ainda para apresentações em festivais alternativos de audiovisual. Os equipamentos usados continuam sendo muitas vezes traquitanas criados por artistas e tecnólogos que juntos escrevem programas, transformam computadores e dispositivos em verdadeiras  “Caixas Pretas” modificando parâmetros, passam a dar outros re-significados aos trabalhos, como preconizava Flusser em Filosofia da Caixa Preta, quando dizia que o artista precisa penetrar no interior da caixa preta a fim potencializar os trabalhos realizados.  O resultado são imagens com estéticas diversas que representam algo ou puramente abstratas, são “imagens técnicas” que “tratam-se de imagens produzidas por aparelhos.” (FLUSSER, 1985b: 07).

De um lado está o debate entre até onde o artista deve se tornar um tecnólogo ou não para dar soluções a suas idéias. Flusser dizia que era necessário penetrar no interior da caixa preta e desvelá-la, para poder passar do nível de “funcionário“  (FLUSSER, 1985b: 07). Arlindo Machado no artigo “Repensando Flusser e as imagens técnicas” faz uma tradução atualizada nos tempos onde a caixa preta deixa de ser a câmera fotográfica e passa a ser o computador e outros dispositivos. Nele, Arlindo abre questionamentos sobre os diferentes níveis de abertura e subversão junto a um aparelho ou um programa, lançando mão deles para criar um projeto estético. Do outro lado está a própria consequência dessas manipulações dos aparelhos técnicos pelos artistas, que criam novos significados para as máquinas e estas passam a ser incorporadas no uso diário da população. Arlindo Machado diz que para Flusser,

(…) mais cedo ou mais tarde, o universo tecnológico acabará por incorporar as descobertas e os desvios dos artistas para os seus fins programados. Toda invenção, toda rota nova descoberta serão acrescentadas ao universo de possibilidades do(s) aparelho(s), de modo que e pode dizer que, no fim das contas, as máquinas semióticas se alimentam das inquietações dos artistas experimentais e as utilizam como um mecanismo de feed-back para o seu contínuo aperfeiçoamento.(MACHADO, 1997:6)

Um exemplo de performance audiovisual é o trabalho chamado Euphorie do coletivo francês 1024 Architecture Nesse espetáculo multimídia, o suporte de projeção são telas de tulis dispostas em camadas que quando recebem projeção frontal, como no cinema, a primeira camada de tuli tanto absorve a imagem, quanto deixa vazar, permitindo a formação da imagem em todas as camadas.  Assim,  o palco se transforma em um espaço virtual com três dimensões, onde os próprios artistas se inserem com seus instrumentos eletrônicos, tornando-se personagens de um mundo digital imaginário. Música eletroacústica e vídeo são gerados e manipulados ao vivo. São criados padrões visuais relativamente simples através de figuras elementares como quadrados, cubos, círculos, etc, porém quando projetados nessa instalação e com as alterações e distorções dos padrões visuais pelas gestualidades da performance dos artistas  através de interfaces eletrônicas, o resultado é uma imersão sensorial, onde os sentidos (visão e audição) são estimulados que incentivam o público a mergulhar em uma espécie de viagem experimental, próximo até mesmo do transe. A experiência descrita acima leva a uma reflexão a respeito das articulações dos sentidos experimentados nos trabalhos de performances audiovisuais. Os mesmos elementos que culminaram em náuseas para uns, em outros geram outras sensações. Patrícia Moram em seu texto Performances Audiovisuais diz que tais sensações podem ser chamados de jogos de vertigem.

Experimentar esta proposta audiovisual produz reações diferentes a ela, há aceitação e também recusa. Alguns sentem prazer de se deixar levar outros a experimentam como desconforto. Roger Callois define essa sensação de desequilíbrio e instabilidade física como jogos de vertigem. Estes jogos “consistem na intenção de se destruir por um instante a estabilidade da percepção e infringir à consciência lúcida uma espécie de pânico voluptuoso. Em qualquer caso trata-se de alcançar uma espécie de espasmo, de transe ou de aturdimento que provoca a aniquilação da realidade com uma rudeza soberana” (1986:58). Crianças sentem muito prazer com os jogos de vertigem, se encantam de rodar e ter o mundo à sua volta girando. Já adultos respondem de maneira diferente, uns aderem, outros não. (MORAN, 2009)

 

CONCLUSÃO

Percebemos ao longo do texto que as performances audiovisuais modernas trazem em si os mesmos objetivos das invenções da Color Music, pois ambos buscam traduções entre música e imagem. Porém, a relação som e cor, não para por aqui, a evocação de um sentido em termos de outros também foi trabalhado no vídeo, teatro, pintura, literatura, e também na própria música. As performances audiovisuais atual trazem uma série de novidades tanto no que se refere a meios eletrônicos para sua realização quanto em termos de produção de sentidos. Imersão sensorial, jogos perceptivos, traduções intersemióticas, experiências sinestésicas. São vários os conceitos e classificações que podemos adotar para tais trabalhos. Puxar um fio condutor que alinhe tais experiências carrega em si a necessidade realizar pesquisas principalmente no campo cognitivo e fica como tarefa para um próximo trabalho.

 

REFERÊNCIA

BASBAUM, Sérgio Roclaw. Sinestesia, Arte e Tecnologia. Fundamentos da Cromossonia. São Paulo: Annalume / Fapes, 2002.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

MACHADO, Arlindo. “Repensando Flusser e as imagens técnicas”. In: O quarto iconoclasmo e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.

MORAN, Patrícia . Performance Audiovisual.São Paulo: Itau Cultural, 2009 (Enciclopédia Online de Arte e Tecnologia do Itau Cultural).

 


Comments are closed.

Back to Top ↑